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As Festas do Espírito

 

Ainda as Festas de Sto. Cristo estavam em preparação e já se ouvia o estralejar dos foguetes em redor da cidade, anunciando a celebração das Festas do Espírito Santo.

Cronologicamente, foi por esta ordem que começaram as duas celebrações religiosas.

Segundo o historiador Luis Bernardo Leite d'Atayde,(1)“foi o Conde da Ribeira Grande quem fez reavivar” a devoção ao Espírito Santo em São Miguel.

Como forma de agradecimento pelo nascimento, em 1665, do seu tão desejado filho varão, D. Manuel da Câmara impulsionou a criação de uma irmandade do Espírito Santo, como já existia noutras ilhas, solicitando à Santa Casa de Ponta Delgada que a festa se realizasse na Igreja da Misericórdia. Até então a festa só se celebrava no Convento de Santo André, em Vila Franca do Campo, por iniciativa das freiras.

O primeiro império n'essa fase de renascimento das festas, em São Miguel, ocorreu em 1666”(2).

Luís B.L.d'Ataíde descreve-o assim: “um extenso préstito constituído pela nobreza da cidade percorreu as suas velhas ruas: às vistosas fardas do tempo, aos trajes elegantes dos fidalgos e às vestes austeras dos sacerdotes, aliava-se a nota pitoresca dos foliões em monótona cantilena, acompanhada de rufo de tambor, seguindo-se á bandeira encarnada onde voejava a simbólica pomba branca, o imperador, o pequeno recém-nascido, levado nos braços do seu escudeiro(...) o Capitão Luiz da Mota(...).

Já então o povo manifestava a sua fé no Divino, mas em teatros, velhos alpendres, muitos dos quais se perderam pelos séculos fora.

Alguns mantêm ainda a traça original ou foram modificados consoante a influência dos estilos. O exemplo mais simbólico é o teatro do Espírito Santo da Rua da Arquinha, cujo império se realiza no Domingo da Festa, por iniciativa de um punhado de moradores.

Resistem também à modernidade, os símbolos tradicionais, o cerimonial e os intervenientes nos cortejos, nomeadamente os foliões, embora estes estejam a desaparecer.

O historiador micaelense Urbano Mendonça Dias, já em 1922(3) afirmava que “a folia, representante dos truões dos velhos Paços Reais, desempenha um papel de destaque, uma parte obrigatória e essencial no conjunto das Festas”. Já então as duas mais célebres eram as folias dos Arrifes e da Relva.

Não disponho de elementos históricos que indiquem até quando se realizou o primeiro Império do Espírito Santo de Ponta Delgada.

Continuaram, entretanto, a efetuar-se coroações. Uma das mais célebres e concorrida foi a extinta Coroação da Menina do Azilo de Infância Desvalida, (foto anexa(4)) criada, em 1920, pelo Pe. Manuel Vicente, que tinha lugar em 29 de junho, dia de São Pedro.

Atualmente, promovem-se em ruas e bairros periféricos da cidade, alguns impérios, cujos símbolos são guardados em capelas, recentemente construídas, em estilo moderno, nada condizente com a tradicional arquitetura dos teatros. Os mordomos são, normalmente, devotos oriundos de zonas rurais, onde o culto ao Divino persiste enraizado na alma e na fé do povo que o levou também para terras da imigração.

Por tudo isto, não faz qualquer sentido religioso a realização, pela Câmara de Ponta Delgada, do Festival do Espírito Santo.

Primeiro, porque se trata de uma reposição de coroações e de impérios já celebrados, esses sim de caráter religioso e cultual, envolvendo o pagamento de promessas dos mordomos.

Segundo, porque não deve uma instituição pública e laica, promover celebrações religiosas seja de que credo fôr.

Terceiro, porque as celebrações em honra do Espírito Santo não podem ser encaradas como manifestações folclóricas, se bem que a religiosidade popular contenha excessos.

Compete à hierarquia e aos fiéis mais esclarecidos salvaguardar os valores destas muito antigas celebrações em honra do Divino Espírito Santo, os quais assentam, sobretudo nos sete dons (Sabedoria, inteligência, ciência, conselho, fortaleza, piedade e temor de Deus) e na partilha constante de bens aos que mais necessitam.

Este é o entendimento da Fé do povo que convém respeitar.

(1) Luis B.L.d'Ataíde, Rev. OS AÇORES, Junho 1928

(2) ibidem

(3) Dias, Urbano Mendonça, Rev.OS AÇORES, Agosto 1922 pag.9

(4) Rev.Açores, julho 1923

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